Confabulação da mala “anônimo”
Binho Signorelli
A tentativa de se aproximar da membrana da
lembrança, de poder reviver a experiência (re)contanda, traz esse pequeno fio
as nuvens do pensamento, uma pequena história que pode ser (re)contada de
muitas formas, todavia num pequeno trecho de palavras, as sinapses se
interligam, se encontram. Quando começa uma história?
O pequeno cinema da mente conta...
O mato grosso que antes imperava, dava espaço para
o piso de concreto com desenhos arredondados que se encontravam como olhos
uníssonos, sem a existência de um nariz para inalar e separar.
Um corte de tempo de dois segundos transforma
aquele cenário...
Nômade anônimo que saiu de sua cidade natal para
encontrar novas chances, oportunidades de empregos. Tudo que carregou consigo
foi a pequena malinha, trocando de mão em mão assim que os dedos pesavam e
inchados não conseguiam se esticar ou retrair.
Sua última despedida foi olhar o mar que se
encontrava com o céu no horizonte alaranjado de um fim de tarde. Colocou na
mala um búzio e um punhado de areia. Se despediu da grande mãe, prometendo
retornar um dia para seus braços, voltava de costas para o continente, e de
frente a sua imensidão em respeito. E partiu dali, sem mais cais, sem mais embarcações,
somente sua navegação em outros mares, desta vez, duro.
Um pé atrás do outro, dia após dia, DANÇANDO COM A
CIDADE, noite arrumando algum lugar para um descanso, pois até sonhos precisam
ter tempo de sonhar e descansar. Conseguiu trabalho numa fábrica de um setor
metalúrgico. Trabalhava horas para receber esmolas. Mas tinha uma coisa que não
soltava, sua malinha. Ia consigo para qualquer lugar que seus pés o guiavam.
Assim como nas greves nos finais da década de setenta, lá estava ela, toda sua
origem recente, era mais um corpo coletivo no meio dos trabalhadores, mais um
pequeno território de combate, sua alça nunca largava sua mão.
O tempo seguiu seu curso. Nômade anônimo encontrou
alguém para compartilhar a vida, teve filhas e filhos, netas e netos, se
aposentou na mesma fábrica que ingressou assim que chegou na cidade, chegando o
momento de sua partida.
Um certo dia, sua neta já com certa idade, percebeu
uma pequena duna branca formada na porta de sua casa. Perseguiu como detetive à
procura de respostas para um grande mistério, eis que ela entra no quarto de
sua avó, guiada pelo rastro cristalizado e fino no chão. Abriu o guarda roupa e
encontrou a mala. De boca em boca na família ninguém sabia explicar do porquê a
mala vazar. Para encurtar a história, a mala seria deixada num poste qualquer
numa rua comercial central.
Uma mulher de cabelos de raios de fogo, explorando
os estímulos que a rua lhe apresentava, percebeu um objeto quadrado encostado
num poste amarrotado de sacos de lixo. Como ela diria numa conversa despojada –
“quem mais conhece a textura de uma cidade, é a mão de um carroceiro...” Viu a
beleza camuflada naquela mala. Também notou que a mala escorria sal, desenhando
os caminhos por onde percorria. Instigada, dançava com a cidade, deixando a
cartografia de seus passos por onde caminhava.
A história continua...
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