sábado, 25 de julho de 2020

Carta Anônimo


Foto: Cia. As Marias, 2011

Confabulação da mala “anônimo”

Binho Signorelli

A tentativa de se aproximar da membrana da lembrança, de poder reviver a experiência (re)contanda, traz esse pequeno fio as nuvens do pensamento, uma pequena história que pode ser (re)contada de muitas formas, todavia num pequeno trecho de palavras, as sinapses se interligam, se encontram. Quando começa uma história?

O pequeno cinema da mente conta...

O mato grosso que antes imperava, dava espaço para o piso de concreto com desenhos arredondados que se encontravam como olhos uníssonos, sem a existência de um nariz para inalar e separar.

Um corte de tempo de dois segundos transforma aquele cenário...

Nômade anônimo que saiu de sua cidade natal para encontrar novas chances, oportunidades de empregos. Tudo que carregou consigo foi a pequena malinha, trocando de mão em mão assim que os dedos pesavam e inchados não conseguiam se esticar ou retrair.

Sua última despedida foi olhar o mar que se encontrava com o céu no horizonte alaranjado de um fim de tarde. Colocou na mala um búzio e um punhado de areia. Se despediu da grande mãe, prometendo retornar um dia para seus braços, voltava de costas para o continente, e de frente a sua imensidão em respeito. E partiu dali, sem mais cais, sem mais embarcações, somente sua navegação em outros mares, desta vez, duro.

Um pé atrás do outro, dia após dia, DANÇANDO COM A CIDADE, noite arrumando algum lugar para um descanso, pois até sonhos precisam ter tempo de sonhar e descansar. Conseguiu trabalho numa fábrica de um setor metalúrgico. Trabalhava horas para receber esmolas. Mas tinha uma coisa que não soltava, sua malinha. Ia consigo para qualquer lugar que seus pés o guiavam. Assim como nas greves nos finais da década de setenta, lá estava ela, toda sua origem recente, era mais um corpo coletivo no meio dos trabalhadores, mais um pequeno território de combate, sua alça nunca largava sua mão.

O tempo seguiu seu curso. Nômade anônimo encontrou alguém para compartilhar a vida, teve filhas e filhos, netas e netos, se aposentou na mesma fábrica que ingressou assim que chegou na cidade, chegando o momento de sua partida.

Um certo dia, sua neta já com certa idade, percebeu uma pequena duna branca formada na porta de sua casa. Perseguiu como detetive à procura de respostas para um grande mistério, eis que ela entra no quarto de sua avó, guiada pelo rastro cristalizado e fino no chão. Abriu o guarda roupa e encontrou a mala. De boca em boca na família ninguém sabia explicar do porquê a mala vazar. Para encurtar a história, a mala seria deixada num poste qualquer numa rua comercial central.

Uma mulher de cabelos de raios de fogo, explorando os estímulos que a rua lhe apresentava, percebeu um objeto quadrado encostado num poste amarrotado de sacos de lixo. Como ela diria numa conversa despojada – “quem mais conhece a textura de uma cidade, é a mão de um carroceiro...” Viu a beleza camuflada naquela mala. Também notou que a mala escorria sal, desenhando os caminhos por onde percorria. Instigada, dançava com a cidade, deixando a cartografia de seus passos por onde caminhava.

A história continua...

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